sábado, 20 de junho de 2020

Pátria - Fernando Aramburu

Escrito de forma não linear, Pátria narra a história de duas famílias muito amigas residentes em uma vila no país Basco (comunidade localizada na parte norte da Espanha). Focada nas duas matriarcas, Bittori e Miren, a narrativa cobre três décadas de suas vidas. Em meio a um cenário real, a luta do grupo separatista ETA pelo que, na sua visão é a luta pela liberdade do povo Basco (que em grande parte os apoia), e sob o ponto de vista contrário, terrorismo, as duas famílias passam por um rompimento repentino de sua amizade, quando Txato, o marido de Bittori passa a ser ameaçado pelo ETA e toda a comunidade da vila se coloca contra ele e sua família, incluindo a família de seu melhor amigo Joxian, marido de Miren, cujo um dos filhos, Joxe Mari entra para a luta armada empreendendo junto de seus companheiros ataques a empresários que não lhes fornecem subsídio. Após o assassinato de Txato, seus filhos Xabier e Nerea levam a mãe Bittori embora da vila, mas a mesma não consegue deixar o passado para trás e volta após anos, quando o ETA anuncia o final da sua luta, em busca de respostas para ficar em paz.
O autor nascido em San Sebastian, localizada na mesma região onde passa sua história, narra acontecimentos ocorridos em vários momentos da vida de todos os integrantes das duas famílias. Eles possuem cada qual suas aventuras e angústias, como pessoas normais que são, apesar dos respectivos dramas em suas famílias causadas pela luta/terrorismo. Uma família cujo pai perdeu a vida para o terrorismo e uma família cujo um dos filhos perdeu a liberdade por lutar por seus ideais.
Talvez a narrativa paralela mais interessante seja a de Aratxa, filha de Miren e Joxian, cujo destino a deixou presa em uma cadeira de rodas dependendo dos pais e mesmo assim, consegue feitos incríveis que refletem no final do livro. O irmão mais novo de Joxe Mari e Arantxa, Gorka também é um personagem curioso, com seus mistérios sendo revelados ao longo da obra e conquistando a simpatia do leitor.

"E como as pessoas resistem a devolver ao planeta os átomos emprestados. Na verdade, estranho e excepcional é estar vivo."

 A obra apresenta uma escrita fluída que só precisa ser entendida e aceita por quem o aprecia, pois além de não seguir uma linearidade, Fernando Aramburu alterna entre a narrativa de terceira para primeira pessoa abruptamente, as vezes dentro de um mesmo parágrafo, o que causa estranheza no início da leitura, bem como trechos onde são inseridas falas de dois personagens no mesmo parágrafo, como se um perguntasse e já ouvisse a resposta de seu interlocutor. Um ponto interessante também na escrita, é o uso de algumas expressões bascas, tornando o uso do glossário inserido ao final da edição necessário diversas vezes.
Um livro tocante, com algumas passagens densas capazes de causar melancolia, contando os dois lados de uma história contemporânea ambientada em meio a acontecimentos reais de forma inteligente, não aprofundando muito nos fatos históricos mas sim nos sentimentos dos personagens que bem podem representar pessoas reais.


quinta-feira, 11 de junho de 2020

As Crônicas de Artur: O Inimigo de Deus - Bernard Cornwell

O segundo livro da trilogia "As Crônicas de Artur", "O Inimigo de Deus" continua com a narrativa de uma das lendas mais conhecidas sob a ótica de um dos maiores escritores da atualidade. Bernard Cornwell utiliza de fatos que pouco se tem certeza para tecer mais essa impecável ficção histórica, usando licença poética e aceitando na narrativa personagens conhecidos de lendas que também não se tem certeza se viveram na mesma época de Artur devido muitos relatos destoantes disponíveis nos dias de hoje.
Neste volume, a guerra contra os saxões que tentam invadir a Britânia fica em evidência, porém o destino inexorável mostra que alguns aliados podem tornar-se inimigos. Em uma trama cheia de personagens ambiciosos e vingativos, também é apresentada uma busca pelos Treze Tesouros da Britânia empreendida pelo mais poderoso entre os druidas, Merlin. Uma das partes mais interessantes do livro é a busca pelo mais importante dentre estes tesouros, o Caldeirão de Clyddno Eiddyn. Merlin acredita que o poder do caldeirão é capaz de resolver todos os problemas da Britânia, os saxões e o cristianismo, que cresce a cada dia mais com seus seguidores fanáticos que acreditam que sua missão é expulsar os pagãos (que já estavam ali antes deles) da Britânia para a chegada de seu salvador.

O livro e referências ao Caldeirão e paganismo :)

 Neste volume da saga, a magia fica mais em evidência quando em comparação ao primeiro, com o fato da Britânia estar dividida entre paganismo e cristianismo e Merlin tendo mais destaque, sendo este um dos melhores personagens da obra, garantindo momentos cômicos e reviravoltas.
Um livro que passa longe de ser arrastado, como ocorre as vezes com o segundo de uma trilogia, pelo contrário, é muito dinâmico e recheado de acontecimentos que tiram o fôlego do leitor. Como seu antecessor, um ótimo livro!

segunda-feira, 8 de junho de 2020

O Labirinto do Fauno - Cornelia Funke e Guillermo del Toro

Um livro que veio depois do filme. Normalmente, o caminho é inverso, mas Cornelia Funke assumiu uma tarefa desafiadora ao transformar uma obra prima cinematográfica de Guillermo del Toro em livro (a pedido do próprio diretor / roteirista). A escritora alemã não só escreveu uma obra tão boa quanto ao filme como superou todas as expectativas neste livro lançado em 2019, 13 anos após a estreia do filme.
A história dO Labirinto do Fauno se passa na Espanha no ano de 1944 durante a ditadura de Franco em meio a guerra civil. Ofélia é uma menina de 12 anos que vai com sua mãe morar na casa de seu padrasto, Capitão Vidal (um homem que apoia o fascismo vivenciado pelos espanhóis na época), de quem a mãe de Ofélia está grávida. Ofélia ama livros e contos de fadas, e logo que chega no local de sua nova morada se depara com criaturas fantásticas que irão conduzi-la à sua própria história mágica. Próximo à casa existe um labirinto, onde Ofélia entra guiada por uma fada. No labirinto ela encontra uma criatura muito alta e com chifres, que apresenta-se como Pã e explica a ela que é um fauno. Este fauno conta à menina que seu nome verdadeiro é Moanna e que ela é a princesa há muito tempo perdida do Subterrâneo, porém explica que ela precisa provar que é verdadeiramente Moanna através de 3 tarefas, no que Ofélia consente e inicia suas aventuras concomitantemente as dificuldades encontradas na casa de Vidal, onde sua mãe está muito doente devido à gravidez.

A Intrínseca fez um belo trabalho: Linda capa dura, fita preta para marcar páginas, ilustrações internas, diagramação digna de conto de fadas e cortes coloridos. Uma edição que desperta amor à primeira vista <3

Dentre as personagens marcantes da trama, destaca-se Mercedes, uma mulher que trabalha na casa do detestável Vidal e acolhe Ofélia desde sua chegada. Mercedes é muito importante para um grupo de rebeldes que fazem oposição à ditadura de Franco e diretamente à Vidal, sendo peça chave para eventos valiosos durante a narrativa.
Cornelia Funke foi além do universo conhecido do filme, inserindo 10 contos de sua autoria distribuídos pelo livro que explicam detalhes até então desconhecidos, como a criação do labirinto, a vida do Rei e Rainha do Subterrâneo e alguns de seus fiéis súditos, origens do Homem Pálido, entre outros. O livro apresenta muitos momentos clássicos de aventuras de contos de fadas, sendo genuinamente uma história de fantasia, mas também é uma obra densa que assim como o filme pode deixar o leitor melancólico, refletindo sobre seu desfecho por um bom tempo após concluída a leitura. O Labirinto do Fauno é recomendado para todos os fãs de literatura fantástica, que tendo visto o filme ou não, se perderão nas páginas do livro como se fosse uma história inédita.