terça-feira, 19 de agosto de 2014

Resenhando "Vidas Secas"

RAMOS, Graciliano. Vidas Secas. 114 ed. Rio de Janeiro, RJ: Record, 2010. 174 p. ISBN 9788501067340.

Publicado pela primeira vez em 1938, Vidas Secas narra a história de uma família de retirantes sertanejos que vive uma vida de migrações em busca de trabalho, comida e morada.
Sempre temendo a seca (e às vezes as cheias), a família de Fabiano vê o tempo passar em variadas épocas, narradas atemporalmente (a não ser pelos primeiro e último capítulo) sob o ponto de vista de cada um deles, cada qual com seus conflitos internos, desejos simplórios e pensamentos.

Sem dúvidas, o grande destaque do livro é a icônica Baleia, a cachorra de estimação da família que sobreviveu às piores provações ao lado dos donos. Graciliano Ramos conseguiu que uma cachorrinha cativasse mais seus leitores do que os personagens humanos, talvez pelo fato de que Baleia represente aquele animal querido que quase todos tiveram em suas infâncias. Tendo uma vida sofrida como a família de Fabiano ou não, não há como não se emocionar com o turbilhão de emoções sentida pela cachorra ou pelo próprio Fabiano quando precisa decidir pela vida de sua pequena companheira. O mesmo pode-se dizer de Sinha Vitória que chora ao lembrar do papagaio sacrificado para saciar a fome dela, do marido e dos dois filhos.

Um livro com personagens tão simplórios e com significados tão complexos, como poucos autores seriam capazes de escrever. Triste e angustiante em algumas partes, divertido em outras. Um clássico da literatura nacional que retrata a realidade sofrida por grande parte do povo nordestino e o caráter de um vaqueiro rude que mal sabe usar as palavras, mas é mais digno que aqueles que têm sobre ele poder. E que apesar das privações, nem ele e nem sua família perdem as esperanças de encontrar um lugar melhor.


sábado, 9 de agosto de 2014

O Erotismo dos Livros

Livros não podem somente serem lidos
Eles precisam de romantismo
Há de se estar preparado para cada livro
Há de se sentir que chegou a hora para determinado livro
É como se aquele livro na estante chamasse pelo nome do leitor
Tocá-lo, cheirá-lo, sentir sua essência
Prever se o momento é oportuno
De algum modo ele atrai a atenção para si
Rendendo a pessoa em um êxtase sem fim
A sintonia deve existir para que a experiência seja completa
O momento tem que ser o certo
Então acontece
Como aquela pessoa que está ao nosso lado e faz-nos apaixonar de repente
E existe amor à primeira vista com os livros também
O amor à primeira folheada
Às vezes eles já são maduros
Amarelados, rasgados, com algumas folhas amassadas
Então o amor sorri para eles novamente
Em uma prateleira de sebo qualquer
E alguém os resgata para mais momentos de paixão tórrida
Às vezes eles são jovens
Com suas capas bonitas e vistosas
Naquela livraria badalada
E encontram o amor verdadeiro que pagou seu preço sem titubear
Às vezes acontece um namoro virtual
E depois de tanto esperar pelo encontro, eles aparecem na porta de casa
Os olhos brilham ao vê-lo despindo-se das embalagens
Há os promíscuos também
Nas bibliotecas, vivendo muitas paixões
Transmitindo informação e entretenimento para todos que o quiserem
E aproveitando o toque de muitas mãos
E olhares gulosos de muitos olhos
Algumas pessoas também são promíscuas com seus livros
Comprando-os e revendendo-os
Para viver outros amores exclusivos depois
Eu não
Caso com a grande maioria deles
E tento dividir meu amor igualmente entre todos
Às vezes deixo eles viverem paixonites em outros braços
Mas eles sempre voltam para mim e meu ciúme doentio
Porque dentre as paixões que tenho na vida
Essa tenho certeza de que será eterna.

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Resenhando "Herança"

PAOLINI, Christopher. Herança. Rio de Janeiro, RJ: Rocco Jovens Leitores, 2012. 790 p. ISBN 9788579801242.

Para quem acompanhou a saga de Eragon e Saphira desde o primeiro livro, é impossível se despedir do "Ciclo da Herança" sem um certo pesar. Em "Herança", Christopher Paolini demonstrou mais uma vez ser um grande nome da literatura fantástica, e é notável seu amadurecimento no desfecho da série. Ele nos fez cair de amores pela história dos dragões e seus Cavaleiros e nos trouxe um mundo onde raças diferentes como humanos, elfos, anões e urgals, outrora inimigos, agora se unem com um só propósito: lutar contra Galbatorix, o grande vilão da história, que criou enorme curiosidade nos leitores por só aparecer no último volume da série.

Em partes, o final era esperado, mas o autor conseguiu surpreender com algumas descobertas no decorrer do livro e com o caráter das personagens que honram seus deveres acima de tudo (incluindo sua própria felicidade) e o leitor mais sensível corre sérios riscos de lacrimejar ao final da narrativa. Resta a esperança de que Paolini volte a nos brindar com outras histórias na Alagaesia, e talvez nos dê notícias de Eragon, Saphira, Arya, Roran, Nasuada, Angela e tantos outros personagens que fizeram parte dessa aventura.

Uma certa melancolia nos apodera ao final de qualquer série que tenha-nos apegado, mas essa em especial, deixou um mundo tão vasto e tantas personagens interessantes que é difícil dizer adeus simplesmente. No final, demonstrou ser não só um livro de fantasia, mas um livro com apelo filosófico em algumas passagens, que podem ser transferidas para o "mundo real" e nos faz pensar e aplicar o que aprendemos em nossas vidas. Por isso ele se torna tão especial. Por isso a leitura dessa saga vale muito a pena.

Resenhando "A Batalha do Apocalipse"

SPOHR, Eduardo. A batalha do Apocalipse: da queda dos anjos ao crepúsculo do mundo. 17 ed. Campinas, SP: Verus, 2011. 586 p. ISBN 9788576860761.

A Batalha do Apocalipse é um livro que gerou muitas expectativas nos leitores ao seu lançamento, sobretudo em quem apoia a literatura nacional e sempre está a procura de novos autores de literatura fantástica. Eduardo Spohr se mostrou criativo ao introduzir variadas mitologias na história, batalhas inspiradas em mangas e animes, e fatos históricos importantes em meio à ficção.

Em algumas passagens, a leitura se torna demorada e talvez seja preciso um pequeno esforço para continuar, principalmente durante alguns flashbacks em que a narrativa passa a ser em primeira pessoa, descrita por Ablon, o personagem principal, o único anjo renegado ainda vivo que tem por missão, impedir o apocalipse. Ao seu lado, está sua amada Shamira,a Feiticeira de En-Dor, que espera por um mundo diferente, onde possa viver em paz com o anjo. Entre tantos personagens incríveis, estão Miguel e Lúcifer, ambiciosos cada qual com seus planos egoístas, e muitos nomes bíblicos que normalmente já se ouviu falar de forma diferente. 

Nos últimos capítulos, a história flui e a leitura adquire um ritmo mais acelerado, chegando a um grande final onde o autor, assim como alguns personagens, alcança sua redenção e o leitor sente-se feliz e satisfeito por ter insistido com a leitura no começo.

Resenhando "Concerto Campestre"

ASSIS BRASIL, Luiz Antonio de. Concerto Campestre. 12 ed. Porto Alegre: L&PM Editores, 2009. 176 p. ISBN 8525407356.

Em "Concerto Campestre", Luiz Antonio de Assis Brasil nos leva à vida em uma estância no interior do Rio Grande do Sul, em meados do século XIX, onde vive o Major Antônio Eleutério Fontes com sua família, entre ela, sua unica filha mulher Clara Vitória. O gosto do Major pela música o leva a manter uma orquestra particular, a Lira Santa Cecília, regida por um Maestro mestiço vindo de Minas Gerais.
A trágica ópera (assim vista por Rossini, rabequista principal da orquestra) tem início no despertar do desejo mútuo entre o Maestro e a bela filha do Major, o que logo se torna um grande amor proibido.

Na vastidão do pampa, a orquestra toca, e para os apaixonados por música, é possível ouvir no fundo da alma os concertos campestres, ser transportado para os mágicos cenários dos campos gaúchos e sentir as aflições e alegrias da menina mulher Clara Vitória, assim como rir de passagens mais leves encontradas durante o percurso do livro.
Um deleite para músicos e para quem sabe ler partituras, já que estas são descritas muitas vezes pelo autor, e também para quem aprecia a história do Rio Grande do Sul e é curioso sobre os costumes da época.
Uma obra curta, mas as 176 páginas são tão profundas que é impossível esquecer facilmente o que foi lido e as linhas permanecem povoando a memória muito tempo depois, tornando quase impossível para algumas pessoas (como esta que vos escreve) a não releitura depois de alguns anos...

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Inverno

O inverno chega

Ela olha pela janela procurando enxergar dentro de si mesma

Ela vê as árvores com folhas escassas e sem nenhuma flor

O céu repleto de nuvens cinzas sem nenhuma estrela

As casas trancadas sem nenhuma janela aberta

E a neblina encobrindo tudo sem nenhum resquício de luz.

Ela não sabe se é dia ou noite

Porque tanto lá fora como dentro dela, tudo é escuridão

Como na natureza, ela sabe que apenas é preciso esperar a primavera chegar

Só que o inverno da natureza tem seu tempo contado

E o inverno dentro dela parece que durará para sempre

Ela está congelada por dentro e ninguém pode derreter a neve

As flores não nascem mais

Está tudo perigosamente silencioso

Ela sente falta do sol queimando sua pele

Mas já se acostumou com o vento cortante batendo em seu rosto, esvoaçando seus cabelos

O frio do inverno a faz lembrar todos os dias o quão fria ela é

Se a neve começar mesmo a cair, sua alma virará um lago de gelo

Onde muitos podem olhar através

Mas ninguém é capaz de atravessar.