"...porque as estirpes condenadas a cem anos de solidão não tinham uma segunda chance sobre a terra."
Cem anos de solidão foi publicado em 1967 após dois anos sendo trabalhado por Gabriel García Márquez, escritor e jornalista Colombiano que viria a ser laureado com o prêmio Nobel de literatura em 1982. Porém até a publicação da obra, Gabo, como é conhecido em seu país natal, não conseguia alcançar sucesso e vivia modestamente com sua família no México. Sua realidade mudou quando as primeiras tiragens de "Cem anos de solidão" esgotaram-se em questão de dias, içando seu autor a um novo patamar onde o reconhecemos atualmente, tendo sido a referida obra considerada uma das principais da literatura latino-americana traduzida em 36 idiomas.
Principal nome da escola literária realismo mágico, o livro tem como personagens principais os integrantes da família Buendía, narrando os acontecimentos de sete gerações da estirpe residente em um povoado fictício denominado Macondo, cujos fundadores foram, entre outros, o patriarca e a matriarca da família, José Arcádio Buendía, e sua esposa (que também era sua prima) Úrsula Iguarán. José Arcádio Buendía ansiava encontrar o caminho para o mar, mas devido as adversidades, acabaram desistindo pelo caminho, onde fundaram a aldeia para qual todos os Buendía que foram embora retornaram antes de suas mortes. O casal da primeira geração teve três filhos legítimos, José Arcádio, coronel Aureliano Buendía (considerado por muitos o personagem principal da obra) e Amaranta, além de uma filha adotiva, Rebeca. Conforme os personagens ficam adultos e têm filhos, e seus filhos têm outros filhos, o leitor pode facilmente perder-se com os nomes demasiados parecidos dos personagens masculinos, sempre batizados como José Arcádio ou Aureliano (em um ponto da narrativa surgem 17 Aurelianos, filhos bastardos do coronel Aureliano Buendía), fato que serve para mostrar a ciclicidade da história, onde as paixões e tragédias tendem a se repetir, mas as confusões facilmente se dissipam ao consultar a árvore genealógica da família, disponível na edição brasileira de 2014 e provavelmente em outras também.
A solidão presente no título da obra está em cada membro da família, cada qual com suas aflições e desejos, vivendo sempre concentrados em suas atividades sem ter tempo de pensar na solidão dos outros. É possível identificar-se com alguns deles, e durante a leitura sente-se um misto de emoções, como raiva, pena, alegria, as angústias dos personagens e sua solidão, o que pode resultar em reflexões sobre como somos solitários, convivendo com muitas pessoas, mas muito mais com nossos próprios afazeres e pensamentos. O leitor também é levado a vários estados conforme os acontecimentos, podendo ficar vidrado e ansioso com fatos relacionados a alguma das 32 guerras que o coronel Aureliano Buendía travou, maravilhado com os ciganos que visitam Macondo ou extremamente chocado, como na passagem onde os mais de três mil estavam na estação (José Arcádio Segundo não queria que esquecêssemos). Também é possível se divertir com os trechos que deixam claro o realismo fantástico, como a pandemia da insônia e do esquecimento, a personagem que come terra, o personagem cujo as borboletas amarelas o acompanhavam, os fantasmas dos mortos que habitam a casa e a personagem que subiu aos céus, esta última deveras curiosa durante toda a sua passagem. Sendo considerada muito bela, causava uma perturbação nos homens, sem querer causar nada, apenas viver de forma mais simples possível, não entendendo porquê as pessoas complicavam tanto suas vidas. Talvez a personagem mais lúcida da estirpe no final das contas.
Outra personagem feminina que merece destaque é Amaranta, algumas vezes perversa, demora-se a entender seus propósitos, e no final quando se entende, ela revela-se uma das que carregam a solidão clássica da família de forma mais pesada. No geral, as personagens mulheres, tanto as da família quanto as ligadas aos Bundía por outros meios são muito fortes e interessantes, muito bem trabalhadas como toda a escrita do autor.
 |
Foto tirada após uma chuva de quatro anos, onze meses e dois dias |
Uma curiosidade é que Gabo inseriu um personagem com seu nome na reta final da história. Trata-se do rapaz chamado Gabriel, bisneto do coronel Gerineldo Márquez, personagem que fora amigo e lutou ao lado do coronel Aureliano Buendía. Ainda cita a "sigilosa namorada de Gabriel", Mercedes, que batizou com o mesmo nome de sua esposa, Mercedes Barcha. O autor também utiliza os nomes de seus filhos em uma passagem, quando a personagem Úrsula Amaranta diz que deseja ter dois filhos e de jeito nenhum chamá-los José Arcádio e Aureliano e sim Rodrigo e Gonzalo.
Depois de mais de 50 anos de sua primeira publicação, "Cem anos de solidão" arrebata as almas leitoras pelo mundo, para onde levou a América Latina em suas páginas.